Nascido em Nice (França), em 22 de julho de 1807, Garibaldi é filho de um
padeiro chamado Domenico Garibaldi e de Rosa Ragiundo. Sua infância, segundo
suas próprias palavras:
Não, meu pai não podia
proporcionar-me aulas de ginástica ou de manejo de armas ou de equitação.
Aprendi a exercitar-me subindo pelas maromas e deslizando pelos ovéns; aprendi
a esgrima defendendo a minha própria cabeça e tentando cortar do modo mais
hábil a dos meus oponentes; aprendi a equitação valendo-me do modelo dos
melhores cavaleiros do mundo, os gaúchos.
DUMAS, p. 24.
Pouco se sabe sobre a infância de Garibaldi, como ele mesmo conta estava
mais disposto a brincar do que estudar. Com oito anos, indo à caça com um de
seus primos na região do Var, Garibaldi salvou uma lavadeira que se afogava em
um poço profundo onde as lavadeiras costumavam lavar suas roupas e seus
lençóis. Acrescenta ele, “Conto isso simplesmente para provar o quanto é
natural em mim esse sentimento que me leva a socorrer meu semelhante e o quão
pouco meritórios são os meus impulsos nesse sentido” (DUMAS, p. 26). Em outra
passagem, aborrecido com sua “existência sedentária” Garibaldi propõem aos
amigos Cesare Parodi, Rafaello de Andreis e Celestiano Bermand, roubarem um
barco e zarpar para Gênova, porem sua aventura foi frustrada no meio da viagem,
pois um abade os viu e denunciou aos pais.
E sua vocação era mesmo cruzar os mares, uma vocação à qual o pai se
opusera o quanto pode. Domenico Garibaldi desejava para o filho uma carreira
tranquila e sem perigos, com um advogado, médico ou padre. “O seu amor cedeu
diante de minha juvenil obstinação e eu embarquei no brigue La Costanza, capitaneado por Ângelo
Pesante, o mais audaz dos comandantes que conheci” (DUMAS, p. 29). E assim
começam as aventuras de Garibaldi pelos mares, Odessa foi seu primeiro destino.
Em uma de suas viagens a bordo do La
Clorinda, transportando para Constantinopla um grupo de sansimonistas
“...apóstolos acossados de uma nova religião.” (DUMAS, p. 33), em meio a uma
discussão sobre a tal religião e a grande questão da humanidade,
O apóstolo começou por me
provar que o homem que defende a sua pátria ou que ataca a pátria de outrem não
passa de um soldado devoto no primeiro caso e injusto no segundo, e que o homem
que, fazendo-se cosmopolita, adora outras pátrias e vai erguer a sua espada e
oferecer o seu sangue a todo povo que luta contra a tirania, é mais que um
soldado, é um herói. DUMAS, p. 33
Ouvindo essas palavras Garibaldi
então declara:
Acendeu-se em meu âmago
uma inusitada chama, sob cuja luz eu deixarei de reconhecer num navio
simplesmente o veículo do comércio de mercadorias a operar-se entre dois
países, mas como o mensageiro alado que leva a palavra do senhor e a espada do
arcanjo. E eu partirei, ávido de emoções, curioso de novos horizontes,
indagando-me se aquela irresistível vocação – que, de início, supunha ser
unicamente a de um capitão de longo curso – não me reservava destinos nunca
dantes entrevistos. DUMAS, p. 34
Em 1832, em uma viagem para a Ucrânia encontrou alguns exilados italianos
pertencentes ao movimento nacionalista de unificação da Itália, na época
dividida em vários Estados absolutistas. O movimento "Jovem Itália",
ao qual Garibaldi aderiu imediatamente era dirigido por Giuseppe Mazzini. Em
1834, com o apoio de Mazzini participa de uma mal sucedida conspiração em
Gênova. Derrotado, é obrigado a exilar-se em Marselha.
Cheguei em Marselha vinte
dias após ter deixado Gênova, sem enfrentar contratempos. Ou melhor, deparei
com o imprevisto de algo que li n’ O Povo
Soberano. Eu fora condenado à morte. Era a primeira vez que eu tinha a
honra de ver o meu nome impresso num jornal. DUMAS, p. 42
Condenado à morte na Itália, Garibaldi – no posto de imediato – zarpa a
bordo do brigue Le Nautonnier, de
Nantes, sob as ordens do capitão Beauregard, rumo ao Rio de Janeiro. Ao desembarca
no Rio de Janeiro, Garibaldi profere as seguintes palavras.
Então, após ter costeado
as rochas graníticas que tão bem dissimulam ao olhar o porto que os índios, em
sua linguagem expressiva, chamaram Nelhero
hy, ou “água oculta”, depois de haver transposto o canal que abre para a
sua baía, calma como um lago; após ter visto erigir-se em sua costa ocidental a
cidade dominada pelo Pão de Açúcar, imensa pedra cônica que serve, não de
farol, mas de baliza ao navegador; e tendo visto irromper ao meu derredor
aquela natureza luxuriante da qual a África e a Ásia não puderam oferecer-me
senão uma pálida idéia, senti-me verdadeiramente maravilhado com o espetáculo
que medrava à minha vista. DUMAS, p. 44
Já no porto do Rio de Janeiro, como o próprio Garibaldi diz, a sua boa
sorte fez com logo encontrasse ali o bem mais precioso que pode existir neste
mundo, um amigo. “Este amigo não foi preciso procurá-lo, nem foi necessário
estudarmo-nos mutuamente para travarmos conhecimento; nós nos cruzamos,
trocamos um olhar, tudo ficou claro. Um sorriso, um aperto de mãos,
tornávamo-nos, Rossetti e eu, irmãos para toda a vida.” (DUMAS, p. 45).
Após um tempo trabalhando em um comercio no Rio de Janeiro, trabalho para
o qual nenhum dos dois havia sido feitos, Rossetti e Garibaldi conhecem Tito
Lívio Zambeccari, o secretário de Bento Gonçalves, presidente da Republica do
Rio Grande, em Guerra com o Brasil. Zambeccari apresenta Garibaldi a Bento
Gonçalves, que lhe concede um carta de corsário a serviço da Republica do Rio
Grande.
Armamos o Mazzini para a guerra, aquela pequena
nau de cerca de trinta toneladas na qual fazíamos a cabotagem. Lançamo-nos ao
mar com dezesseis companheiros de aventura. Estávamos finalmente livres,
navegando então sob uma bandeira republicana: enfim, éramos corsários! Com
dezesseis homens na tripulação e uma barca, declaramos guerra a um Império!
DUMAS, p. 45
Após passarem pelo Uruguai e Argentina, Garibaldi e Rossetti chegam a
Piratini, Sede do governo do Rio Grande. Com a patente de tenente-capitão lhe
foi atribuída a missão de armar dois lanchões e patrulhar a Lagoa dos Patos.
“Ia-se buscar a madeira de um lado e o ferro de outro. Dois ou três
carpinteiros talhavam a madeira, enquanto um mulato forjava o ferro. As duas
chalupas foram assim fabricadas, desde os pregos até as argolas de ferro dos
mastros” DUMAS, p. 70. Prontas os lanchões foram batizados, o maior sobre o
comando de Garibaldi recebeu o nome de Rio Pardo e o outro sob o comando de Jonh
Griggs foi chamado de O Republicano. Rossetti ficou em Piratini encarregado da
redação do jornal O Povo.
Sobre as patrulhas na Lagoa dos Patos, Garibaldi destaca a seguinte
passagem.
Quando, após o nosso
necessário e proposital encalhe, víamo-nos molestados pela artilharia de um
navio de guerra ou de um barco a vapor, eu gritava: “Vamos, meus patos, à
água”. E os meus patos jogavam-se na lagoa e, com força dos seus braços,
erguiam o lanchão e o portavam ao outro lado do banco de areia. DUMAS, p. 71
Durante as incursões na Lagoa dos Patos, Garibaldi e seus homens ficaram
hospedados na estância de Dona Ana, irmã de Bento Gonçalves, que situava-se a
margem do Camaquã. Durante sua estada na Estância da Barra, Garibaldi faz o
seguinte relado sobre as filhas de Dona Antonia, também irmã do Presidente.
Três jovens, cada uma
mais deslumbrante que a outra, adorávamos aquele local de delícias. Uma delas,
Manoela, era a soberana absoluta de minh’alma e, embora não nutrisse a
esperança de um dia possuí-la – pois que estava prometida a um filho de Bento
Gonçalves - , eu não podia impedir-me de amá-la. Ainda assim, certa vez,
tendo-me envolvido numa situação de perigo, pude perceber que à nobre dama do
meu coração eu não era indiferente, e saber-me credor da sua simpatia bastou
para consolar-me de nossa inevitável distância. DUMAS, p.73
Ainda sobre Manoela. “Oh, bela moça do continente americano!
Enobreceste-me e fui feliz por pertencer-te, do modo que se fez possível, em
pensamento.” (DUMAS, p.78).
Após um tempo de poucas conquistas na Lagoa dos Patos, Garibaldi foi
enviado, sob as ordens de Davi Canabarro, para uma expedição a Santa Catarina.
Porem o exército Imperial protegia todas as saídas da Lagoa dos Patos para o
mar, então Garibaldi propôs a construção de duas carretas para transportar por
terra as embarcações. “Os moradores do lugar deleitaram-se com um espetáculo
invulgar e bizarro: duas naves atravessando em carretas puxadas por duzentos
bois um espaço de cinqüenta e quatro milhas ou dezoito léguas – e tudo isso sem
a menor dificuldade, sem um mínimo acidente” (DUMAS, p. 80).
Durante a viagem a Santa Catarina, próximo a embocadura do Rio Urussanga
o Rio Pardo naufragou, dos trinta homens a bordo dezesseis morreram afogados.
A tomada de Laguna foi sem muitas dificuldades, sua guarnição bateu em
retirada e três pequenos navios de guerra renderam-se após um ligeiro combate.
Porem a estadia em Laguna foi curta, a falta de recursos financeiros da recém-criada
Republica Juliana e a desorganização do governo comprometeu a investida
farroupilha em Santa Catarina.
Mas para Garibaldi o destino reservava bem mais em laguna, foi ali que ele
conhece Ana Maria Ribeiro da Silva, sua Anita Garibaldi que assim ele a descreve.
... o destino
reservava-me esta outra flor do Brasil, essa que hoje choro e que chorarei toda
a minha vida, doce mãe dos meus filhos! Essa, eu a conheci não na vitória, mas
na adversidade e no naufrágio. Bem mais que a minha juventude, que a minha aparência
ou que os meus méritos, foram as minhas dores que a uniram a mim, pela vida.
Anita! Querida Anita!
DUMAS, p. 78
Na ocasião em que Anita foi presa pelos soldados imperiais, Garibaldi
assim relada.
Sublime em sua coragem em
face do perigo, ela ainda se engrandecia (fosse isso possível!) diante da
adversidade. Assim, frente com aquele estado-maior assombrado com a sua bravura
– mas que não tivera o escrúpulo de dissimular à vista de uma mulher a sua
empatia de vitorioso -, ela repeliu com uma áspera e orgulhosa altivez alguns
termos que pareciam-lhe exalar o desprezo pelos republicanos vencidos, “Anita
combateu tão energicamente com palavras quanto o fizera com as armas.” DUMAS,
p. 120.
Após perderem a cidade de Laguna, Garibaldi e Canabarro põem-se em fuga
para os Campos das Lajens. Depois de se afastarem do inimigo, em um dos poucos
momentos de tranquilidade, Garibaldi menciona como um dos momentos de plena
felicidade, ou ao menos como de plena emoção.
À testa dos poucos homens
que restaram, de tantos guerreiros que muitos justamente mereceriam o epíteto
de bravos, eu avançava a cavalo, orgulhoso dos vivos, orgulhoso dos mortos,
quase orgulhoso de mim mesmo. A meu lado cavalgava a soberana de minh’alma, a
mulher digna de toda a admiração.
Eu me havia lançado numa
carreira mais fascinante que aquela da marinha. Não me importava se, a exemplo
do filósofo grego, só possuía aquilo que carregava comigo, ou se servia a uma
pobre República que a ninguém podia recompensar, e da qual – fosse ela rica –
não aceitaria a paga. Afinal, não batia um sabre em meu flanco? Não
atravessava-se um carabina no esteio de meu arção? Não trazia o meu tesouro a
meu lado? Anita, tão ardentemente apaixonada quanto eu pela causa dos povos, encarando
os combates como um divertimento, como uma simples distração da vida dos
arraiais!o futuro sorria-me, sereno e venturoso, e quanto mais selvagens e
desérticos mostravam-se os ermos americanos, mais encantadores e mais belos
eles me representavam. DUMAS, p. 100
Nos Campos das Lajens, após alguns combates como o de Santa Vitoria e de
Curitibanos – onde Anita fora capturada, mas conseguiu fugir e atravessou a
nada o rio Canoas – as tropas de Canabarro e Garibaldi recuaram para o Rio
Grande do sul.
Após o retorno a Rio Grande, Garibaldi foi designado para São Sião, para
comandar a construção de novos barcos. “Foi lá que minha querida Anita pôs-me
entre os braços o nosso primeiro filho. Eu, ao invés de dar a ele o nome de um
santo, ofereci-lhe o de um mártir: Menotti.” (DUMAS, p. 118). Menotti nasceu em
16 de setembro de 1840.
Garibaldi, Anita e agora também Menotti, em mais uma frustrante retirada,
tiveram muitas dificuldades para cruzar a Serra das Antas. Motivo que levou
Garibaldi a pedir dispensa da causa farroupilha.
Garibaldi e família seguiram para Montevidéu, onde trabalhou como mascate
e professor de matemática. Em 1842,
foi nomeado capitão da frota da marinha uruguaia, lutando contra o ditador da
Argentina, Juan Manoel Rosas.
Em 1848, Garibaldi retorna a Itália para combater os exércitos austríacos
na Lombardia (norte da Itália) e dar início à luta pela unificação italiana.
Fracassou na tentativa de expulsar os austríacos e foi forçado a refugiar-se
primeiro na Suíça e depois em Nice. Visando conquistar Roma ao papado, os
liberais italianos marcharam contra aquela cidade e a tomaram. Garibaldi participou
da campanha com um corpo de voluntários e foi eleito deputado na assembleia
constituinte da República Romana.
Contudo, em 01 de julho de 1849 os franceses e os napolitanos cercaram e
invadiram a cidade, e restabeleceram a autoridade papal. Garibaldi empreendeu
uma retirada com 4 mil soldados, sendo perseguido por três exércitos
(franceses, espanhóis e napolitanos), que somavam dez vezes o seu número de
homens. Ao norte da Itália, o exército austríaco, com 15 mil soldados, também
aguardava Garibaldi. Durante os combates, Anita foi morta.
Sobre a morte de Anita na Itália, em 04 de agosto de 1849, com mais uma
declaração de amor, assim ele relata.
Onde foi-me dado a
conhecer a dimensão da culpa? Lá, nas embocaduras do Eridan, no dia em que,
esperando para disputá-la com a morte, eu segurava convulsionado o seu pulso,
sentindo-lhe os últimos batimentos; no dia em que eu inspirava o seu hálito
fugidio; em que eu colhia com os meus lábios a sua respiração ofegante; e em
que eu beijava, oh, luto!, lábios desfalecidos; e em que cingia, oh dor!, um
cadáver; e em que chorava as lágrimas do desespero. DUMAS, p. 91
Condenado ao exílio, Garibaldi morou na África, em Nova York e no Peru.
Entretanto, voltou à Itália em 1854, participando da Segunda Guerra de
Independência contra os austríacos. O Conde de Cavour, primeiro ministro do
Piemonte (norte da Itália), nomeou-o comandante das forças piemontesas e sob
seu comando a Lombardia foi tomada à Áustria. Com isso, a Itália do norte
estava unificada.
Garibaldi voltou-se então para o centro do país, com o apoio de Vítor
Emanuel 2º, rei do Piemonte, e de seu ministro Cavour. No centro da Itália,
porém, a política e a diplomacia prevaleceram sobre as armas e os acordos com
que Cavour e o rei cederam Nice e Savóia à França, esses atos foram
considerados com uma traição por Garibaldi, que decidiu agir por conta própria.
Seguiu para o sul, onde conquistou a Sicília e o reino de Nápoles.
Governante absoluto do sul da península, Garibaldi promoveu um encontro
de suas tropas com as de Vítor Emanuel, que se tornou o primeiro rei da Itália
unificada, ou quase. Ainda faltava libertar Veneza dos Austríacos (1866) e Roma
do papa, o que Garibaldi tentou em vão em 1869, sendo derrotado mais uma vez
pelos franceses.
Ainda assim, em 1871, uniu-se a eles na guerra
Franco-Prussiana, onde venceu algumas batalhas, apesar das quais, a França
perdeu a guerra. Não havendo aceitado o título de nobreza e a pensão vitalícia
que o rei Vítor Emanuel lhe oferecera, Garibaldi retirou-se para sua casinha na
ilha de Caprera, e lá permaneceu até o fim da vida, em 2 de junho de 1882.
DUMAS, Alexandre. Memórias
de Garibaldi / Tradução de Antonio Caruccio-Caporale. Porto Alegre: Ed.
L&PM, 2006